Depois de ler a matéria Colunista Convidado da Revista O Globo no domingo (03/07) com o depoimento do músico e arranjador Mario Adnet sob o titulo “ A vida nem sempre é doce”, a leitura me remeteu a minha profissão, a Terapia Ocupacional.
No depoimento do músico sobre as mudanças radicais e das atitudes mentais e comportamentais em relação a sua própria vida frente à diabetes do tipo 1, ele conta o que significou a doença para uma tomada de consciência e a transformação de seus hábitos e rotina pessoal e como também tudo isso influenciou de maneira positiva a sua relação com a família.
....” Há exatos 22 anos, havia acabado de ser diagnosticado com diabetes do tipo 1, essa que a gente tem que medir o nível de açúcar no sangue várias vezes, além de tomar algumas injeçõezinhas de insulina por dia. Estava caminhando no Jardim Botânico para dar uma espairecida e encontrei, também músico, meditando em posição de Lótus num banco próximo ao lago, que notou alguma coisa diferente comigo:
__ Mário, você está tão magrinho!
Tratei de contar a novidade. Naquele momento, só conseguia pensar e falar naquilo. A reação dele me deixou perplexo:
__ Que maravilha, agora você vai cuidar da saúde!
A princípio, me soou muito estranho, mas hoje vejo que ele tinha toda a razão. As limitações impostas pelas circunstâncias me obrigaram a cuidar da alimentação, a me exercitar regularmente e a monitorar com freqüência essa linha tênue entre a saúde física e a mental..........
.....Todo esse cuidado acabou naturalmente influenciando a família, despertando o interesse de minha filha mais velha, Joana, pelo assunto, o que a levou a fazer o vestibular para o curso de Nutrição.
.........Por tudo isso, a consciência da fragilidade do ser humano ficou aguçada e a atenção em relação à saúde se tornou um hábito........
............Manutenção é a palavra de ordem. Claro que procuro levar o meu dia a dia com leveza, sem radicalismo. “Não abro mão de uma taçinha de vinho de vez em quando porque, afinal de contas, como dizem por aí, as coisas só têm o peso que a gente dá a elas.”
Trazendo dois conceitos muito empregados na Terapia Ocupacional pode-se retratar o quanto o músico foi funcional em sua disfunção orgânica e não incapaz de enfrentar as demandas frente ao seu problema de saúde.
Segundo Hagedorn, a disfunção ocupacional ( leia-se funcional pois é esse significado) surge quando uma pessoa é incapaz de fazer as coisas normais e cotidianas que necessita e deseja. A disfunção é a incapacidade temporária ou crônica de desempenhar papéis, ocupações e relacionamentos esperados, portanto alguém pode ser disfuncional, ou seja, incapaz de enfrentar as demandas da vida, mas contudo não ser incapacitado. Pode-se considerar que a disfunção é a ausência de equilíbrio entre as habilidades individuais, os desafios do meio e as dificuldades da tarefa.
Nesse caso, a resolução do problema envolveu todas as atividades da vida diária, produtiva e de lazer, onde o foco foi a descoberta da natureza do problema como os hábitos e a rotina da vida do músico, o que fez toda a diferença na qualidade de vida e em aproveitar o prazer de viver com saúde globalmente.
A medida da perfomance do desempenho ocupacional é um instrumento desenvolvido por Terapeutas Ocupacionais canadenses e já validado no Brasil onde a pessoa é quem se auto-avalia dando-se uma nota que varia de 0 a 10 sobre o que considera que deveria melhorar em suas atividades de vida diária, produtivas e de lazer.
Claro que quando tratamos do ser humano, este é complexo, o que envolveu no caso, o tratamento medicamentoso, nutricional, exercícios físicos, o uso de técnicas de meditação, mas principalmente a vontade do músico em seu desejo de tomar uma atitude positiva, o que fez com que fosse responsável pela sua própria transformação.
SIMONE MARIA DE BASTOS É FISIOTERAPEUTA E COLUNISTA CONVIDADA.
(CREFITO: 2/719)
